terça-feira, 28 de julho de 2009

9 dias Pós Encontro Nacional

Após tanto tempo de espera e preparação, pudemos finalmente viver todas as emoções do 2° Encontro Nacional das Equipes de Nossa Senhora em Florianópolis.
Desde o início da nossa viagem, em Cabo Frio, com os casais Ana e Ledinho, Letícia e Laudir, Marizeth e Chico e Alzira e Pessanha (Alessandra e Gladston viajaram de carro) já vivíamos a expectativa da participação neste importante evento do Movimento não somente para o Brasil, mas também para o mundo, fato este confirmado ao ser anunciado o nosso país como sede do próximo Encontro Internacional das ENS, no ano de 2012.
É muito difícil descrever os nossos sentimentos, as nossas emoções durante as Celebrações, Palestras, Testemunhos e a amizade e carinho presentes nas Reuniões de Grupos de Casais, além da nossa alegria ao reencontrar casais amigos da nossa Região Rio IV, de outras Regiões, da nossa Província Leste e de outras Províncias da qual tivemos o privilégio de conviver em Lourdes durante o Encontro Internacional em 2006 e também a curiosidade em conhecer pessoalmente os nossos amigos da internet.
Hoje, ao retornarmos à nossa vida cotidiana, já começamos a nos preparar para futuros encontros, em 2012 o Encontro Internacional a ser realizado no Brasil e em 2015, o 3° Encontro Nacional.
Aos casais que não puderam estar presentes, por motivos diversos, neste 2° Encontro Nacional, damos o nosso testemunho de que vale à pena a preparação e o esforço desde agora.

Tereza e Reizinho, Eq. 01-Setor Lagos, Reg.Rio IV, Prov. Leste











De Manaus, Amazonas:


Terminado o 2o Encontro Nacional, iniciamos o reencontro no qual nós e nossa casa continuaremos a servir ao Senhor. Queríamos agradecer em primeiro lugar a Deus, que nos concedeu a graça de participarmos deste momento ímpar, em segundo lugar, a todos que proporcionaram a realização do mesmo, através de seu amor e doação ao próximo. Manaus esteve presente com mais de 120 pessoas(entre equipistas e SCE's), prova de dedicação e amor ao movimento. Saímos do centro da maior e mais preservada floresta tropical do planeta, na região norte, para a região sul do Brasil, porém já nos acostumamos a vencer distâncias, esta foi pela vontade e determinação da presença. Conteúdos brilhantes, palestras, testemunhos, homilias. Novas amizades, alegrias dos reencontros com outros, conhecimentos, doação, exemplos, superação, enfim, estar no lugar certo no momento certo e além disso num local abençoado e belo por natureza. Obrigado Senhor por tudo e por todos. Amém!Gorette e Sergio AvelinoEq. 08 A Manaus-Amazonas.



Equipe NS do Silêncio , de Manaus.


Mais uma carta de Manaus.


Queridos amigos, que saudades, vivemos momentos maravilhosos!!! Um grande abraço aos amigos de Floripa que nos acolheram como irmãos, a cidade de vocês, as pessoas, enfim tudo foi maravilhoso, vamos guardar em nossos corações e em nossa lembrança todos os momentos vividos, até mesmo o friooooooooo(ufa), que Deus os abençoe sempre e até breve.... Beijos a todos e obrigada pela acolhida e pela amizade.

Maria José e Nonato
Equipe 15 Nsa do Carmo
Manaus – Amazonas



Após uma longa jornada (1400 km) realizamos um sonho, estar presente no 2º Encontro das ENS. Obrigado irmãos equipistas que nos recepicionaram e nos apoiaram em uma terra tão distante, em especial o casal Cecília e Jaime Boing. Maria de Lourdes e Grey de Ituiutaba MG juntamente com casais de Itumbiara GO, irmãos em CRISTO e companheiros de viagem.

Palestra dos Volpin


Paz e Bem!
Ainda em estado de fortes emoções, chegamos ontem em nossa casa, em Recife. O maior superlativo que existe em nosso dicionário é insuficiente para expressar a beleza, a profundidade, o carinho que vivenciamos durante os dias do 2º Encontro Nacional das ENS.
Que Deus abençoe o trabalho abnegado de toda a equipe que colaborou para este evento!
Gostaríamos que fosse colocado no blog a palestra do CASAL da ERI. Desde já somos agradecidos.Carinho e orações,Lourdinha e Falcão - Equipe Nossa Senhora da Saúde - Setor - B - Recife - PE


2° ENCONTRO NACIONAL DAS ENS DO BRASIL
FLORIANÓPOLIS – 16 a 19 de julho de 2009

Casal cristão, célula de evangelização
Carlo e Maria Carla Volpini

Queremos, primeiramente, transmitir-lhes toda a nossa alegria por estarmos aqui com vocês, neste grande encontro que vê reunidos tantos casais deste País onde as ENS são, realmente, uma semente fecunda de amor e testemunho vivo da mensagem de P. Caffarel. E queremos agradecer ao Roberto, à Graça e a todos os casais da SR Brasil que, ao nos convidar para falar, nos presentearam com este encontro com vocês.
A palavra do Senhor que vocês escolheram como fio condutor para estes dias “Eu e minha casa serviremos ao Senhor” (Gs 24, 15) é um tema muito interessante porque acompanha a reflexão teológica destes anos que quer uma fé vivida na história do cotidiano; também a nossa apresentação, que abordará o tema do casal cristão célula de evangelização, está ligada a esta palavra do Senhor porque a primeira coisa que nos perguntamos foi: por que o casal pode e deve ser célula de evangelização? Simplesmente porque lá onde um homem e uma mulher se amam e neste amor, acolhendo-se, se encaminham juntos para fazer nascer a própria humanidade, lá transparecem os traços do rosto de Deus. Disso resulta que se o rosto de Deus é o rosto do Amor, o casal tem que anunciar através de sua própria vida esta mensagem do amor divino. Mas, a seguir, vieram as outras perguntas que construíram o percurso desta reflexão: Como, Quando, Onde, o casal pode se tornar ícone vivente do amor de Deus?
Como? Simplesmente vivendo e se amando. Quando? Em qualquer momento e a cada dia de sua vida. Onde? Nos lugares onde todo casal vive seu cotidiano. E se as cidades, as terras, as nações são diferentes, existe um lugar comum a todos os casais do mundo, a todas as famílias do mundo, que pode ser habitado num testemunho espontâneo e contínuo de evangelização: a casa.
Queremos lembrar a este respeito as palavras do astronauta Erwin enquanto girava em órbita em torno da Terra: “A lua é bonita; o céu é profundo e maravilhoso. Mas é somente na terra que o homem pode morar, porque lá embaixo tem alguém que pensa em mim, que me olha e me espera”.
Devemos estar cientes de que, entre as tantas experiências que a vida nos oferece, aquela do habitar está entre as mais fortes e importantes, porque habitar um lugar significa crescer através e graças “àquele lugar”, lá onde podemos ter relações e tecer a trama que constrói a nossa vida. Todos vocês têm amor, atenção e cuidado com as suas casas, porque sabem que só assim poderão torná-las vivas, sabem que a sua realidade de cônjuges está fortemente ligada ao lugar onde vocês moram, sabem que dentro de suas casas se estabelecem todos os dias relações diferentes que, graças a elas, a sua identidade de pessoas e de crentes terá sempre novos espaços de crescimento e de desenvolvimento.
Não é por acaso, portanto, que se diz “habitar a casa, habitar a vida” porque realmente em nossa casa aprendemos cada dia a existir e cada dia nos transformamos conforme a multiplicidade de experiências que nela vivemos. E não é em outro lugar, a não ser na casa, que todo casal pode aprender a se tornar célula de evangelização.

“Casa, para nós significa lugar de crescimento, espaço interior, o tempo que passa, vontade de se fechar em casa e vontade de fugir de casa, respiro de emoções...
Com certeza a casa representou um lugar de crescimento graças a todos aqueles que dentro dela viveram trazendo sua bagagem de riqueza, onde mais falamos entre nós, onde mais nos confrontamos conosco e com os outros, onde reelaboramos através da palavra, da reflexão e da oração o que nós estávamos vendo, escutando e vivendo “fora”.
Deu-nos sempre alegria abrir a casa aos outros e o fizemos sempre por escolha e por prazer, mas não tivemos medo de ficar sozinhos em casa para saborear a nossa presença mútua e para ter a possibilidade de falar e comentar e conjeturar e planejar o nosso amanhã.
Não é talvez por acaso que, apesar de passarmos muito tempo fora de casa por causa dos nossos compromissos, o nosso maior desejo diante de um dia livre não seja tanto aquele de ir a um cinema ou de passear sozinhos, mas de ficar em casa possivelmente em silêncio ou falando em voz baixa, quase que a familiaridade das paredes, dos móveis, das coisas conhecidas, consiga confortar os nossos cansaços e as nossas desorientações.
Às vezes temos vontade de ir embora, de sair de casa quando esta se torna testemunha das nossas tensões e da nossa incapacidade de superá-las; quando sabemos que lá dentro o clima está pesado e seria necessário um esforço a mais para o qual não estamos prontos, quando não a sentimos acolhedora e protetora, mas ameaçadora e anunciadora de mais tempestades. É realmente um escapar, um fugir, mas é também, de alguma forma, o desejo de não sobrepor sentimentos negativos a tudo aquilo de bonito e de bom que ela nos permitiu viver.
E quando o prevalecer do negativo se torna mais forte, quando os nossos limites de caráter e de fé impedem um passo de crescimento, sentimos a casa estranha, longe, não pertencente ao nosso ser, incapaz de nos dar alívio. Mas o que é realmente estranho? A casa que fica ali nos esperando com toda a sua carga de vida vivida no seu interior ou a nossa maneira de colocar-nos um diante do outro e juntos diante dos filhos e diante de Deus? A coisa certa, então, é voltar para casa porque fora dela nos sentimos ainda mais perdidos, ao passo que voltar significa ter vontade de recomeçar.
A casa, finalmente, como lugar de cultura e de expressão da nossa escolha de fé, porque a sua decoração, os seus objetos, os livros, são a nossa historia, são sinais do caminho percorrido, das orientações, das experiências, do crescimento mais ou menos grande realizado. Objetos que nos falam de um amigo, de um evento, fotografias que nos fazem lembrar pessoas ou situações e renovam dentro de nós a experiência vivida, folhas e papeis que nos falam do nosso trabalho profissional, dos nossos compromissos inclusive com os outros, revistas e boletins que nos falam de realidades diferentes das nossas e a respeito das quais queremos saber mais e desejamos compartilhar, e outras realidades, como todas aquelas ligadas ao mundo das ENS, para as quais sabemos que estamos trabalhando, ainda que de forma diferente, junto com muitos outros, numa sinergia de esforços que constrói o reino de Deus. Tudo isto está presente em nossa casa e nos envolve e, sem que nos apercebamos, sustenta o nosso trabalho de cada dia.

Compreendemos então que a casa não é apenas um lugar de abrigo realmente necessário para o desenrolar da vida, mas sim o lugar fundamental para que a vida se manifeste em todas as diferentes nuances das nossas emoções, sentimentos, afetos que às vezes podem ter os tons claros e serenos da harmonia, às vezes os tons fortes da alegria e da energia projetual e, às vezes, os tons apagados e cinza dos momentos sombrios e difíceis. Em todo caso, a casa é sempre um espaço excelente onde o casal anuncia todos os dias a sua escolha de vida e de fé, onde o casal é, sem que talvez o saiba, a célula pequena e grande de uma constante evangelização mútua e dos outros.
A casa, com o passar do tempo, assume os traços de quem nela mora, porque se alimenta da vida de seus moradores, assume formas, aspectos “humanizados”. Cada casa tem o seu rosto: é, de acordo com os seus moradores, acolhedora, fria, cativante, espartana, desarrumada ou caótica, elegante ou simples; a casa, em silêncio, acompanha as histórias da vida de uma pessoa, de um casal, de uma família e, em silêncio, registra todos os acontecimentos tranqüilos ou dramáticos que se desenrolam na vida cotidiana e, no fim, só uma casa realmente vivida dá a sensação de ser habitada. Um quarto de hotel poderia estar até mais bem decorado do que o nosso quarto, dotado de mais conforto, mais moderno e elegante, mas quem de nós escolheria viver para sempre num quarto de hotel?
Cada casal pode desenvolver a sua realidade de evangelização começando justamente pela casa onde mora porque uma casa é um projeto de intimidade: objetos, luzes, cheiros, quartos, cantos, quartos de despejos, luzes e penumbras; decoração, lâmpadas, quadros, livros, móveis, roupa de cama, fotografias, perdem pouco a pouco o seu valor objetivo, não são mais o que foram para assumir no tempo o valor simbólico de alguma coisa que nos dá o significado de todos os valores que escolhemos e de todas as coisas em que acreditamos. Morar é "sentir-se em casa, abrigados por um espaço que não nos ignora, entre coisas que falam da nossa vivência, no meio de rostos que não precisamos reconhecer porque em seu olhar há os traços da nossa história”.
A casa vivida, não é uma "caixa inerte" e morar, portanto, não significa simplesmente "estar num lugar", mas, sobretudo, construir umas relações significativas, umas relações com pessoas e objetos. O caminho que faremos juntos hoje para lhes falar do casal cristão célula de evangelização é o de atravessar uma casa, para compreender como cada espaço que cada casal viveu em sua própria casa pode se tornar espaço de vida e não apenas isso, mas cada lugar pode se tornar lugar “sacramental” se se tornar sinal da presença de Deus.
Não é o credo, não é a liturgia, não são as instituições nem as tradições que fazem com que a Igreja seja Igreja, sacramento de Cristo. Mas é a fé no Senhor presente que vivifica o credo, se manifesta na liturgia, se encarna nas instituições e vive nas tradições. Tudo isso dá forma ao sacramento, que é o instrumento mediante o qual o Senhor invisível se faz visível na terra.
O mesmo ocorre na casa, lugar familiar e sacramental: existem quartos, corredores, mesas, quadros nas paredes como em todas as casas dos homens. E, contudo, são diferentes, porque o espírito que enche de afeto e de significado todas estas coisas é diferente, e as torna familiares e “sacramentais”. Do lado de fora talvez ninguém veja e possa distinguir. Somente o coração sabe e discerne e descobre nas frágeis e freqüentemente contraditórias aparências externas, um secreto intimo e divino: a presença do Senhor ressuscitado que vivifica todas as coisas. (Boff)

A sala de estar, a nossa sala de estar

As casas de hoje mudaram de aspecto em sua estrutura interior, espelhando desta forma também as mudanças ocorridas na cultura familiar e na sociedade. A sala de estar sofreu também uma grande transformação.
Num passado não muito distante todas as casas tinham um quarto que era mais reservado que os outros, separado do hall de entrada e dos outros quartos. Era quase sempre um quarto fechado, não utilizado diariamente pela família, sempre arrumado, era una sala geralmente ampla ou algumas vezes de dimensão menor, mas sempre decorada com muito cuidado, que tinha específicas funções de representação e de recepção dos hóspedes e que se abria somente em ocasiões especiais. A sua função visava mais uma finalidade exterior de representação da família, que procurava mostrar o melhor de si à sociedade, do que uma concreta utilização para os vários membros da família. Era um ambiente não vivido, envolvido pela penumbra, que precisava ser preservado dos efeitos danosos da luz, da poeira, mas sobretudo das pessoas que ali moravam, reduzindo-o assim a um espaço inutilizado.
Atualmente, no entanto, é na sala de estar que se desenrola a vida cotidiana da família. Hoje as nossas casas têm finalmente um espaço plenamente vivido de dia e de noite, onde freqüentemente se fazem as refeições, se brinca com as crianças, se executam as tarefas domésticas, se assiste à televisão, se trabalha com o computador, um espaço onde se compartilham amizades e relações familiares, sem se preocupar com o aparecer.
A sala de estar é um espaço comunitário particular: o indivíduo neste quarto pode manter a própria realidade pessoal e ao mesmo tempo ter consciência de viver com e no meio dos outros. Quando a vida familiar não é serena e harmoniosa, esta coexistência de privado e comunitário pode ser também fonte de tensões, sobretudo quando pesam os silêncios e o fechamento. Na sala de estar, de fato, se celebram também as grandes reuniões e festas familiares: deveriam ser as ocasiões em que as diferentes gerações se confrontam entre si, mas às vezes se transformam numa mistura de silêncios e incompreensões e o ar que se respira, de prazeroso e alegre, se torna pesado e sombrio. Quanto espaço para um casal cristão ser evangelizador e instrumento de mediação e de tolerância recíproca na própria casa!
A sala de estar é o lugar onde o casal e a família vivem e celebram a sua vida afetiva e relacional mas também a sede do encontro com a história. Aqui, de fato, encontramos os outros e nos deparamos com pessoas que nos trazem outros valores, outras culturas, outras histórias. Através destes encontros verificamos o nosso modo de viver e transmitimos aos filhos a nossa idéia de sociedade. A sala de estar é, portanto, o ambiente da casa particularmente aberto para o exterior, a interface entre o dentro e o fora. Precisamos que este quarto continue acolhendo toda possibilidade de encontro, de palavra, de relação, de comparação; precisamos que permaneça um lugar aberto à comunicação e à hospitalidade. Este é um espaço forte de evangelização para quem entra e é acolhido em nossa casa
“Sempre quisemos uma sala de estar grande, capaz de acolher pessoas, amigos, parentes, capaz de se tornar lugar de encontro. Acreditamos que hoje, mais do que nunca, precisamos alimentar a profecia da salvação através do encontro e do relacionamento com os outros: hoje, onde tudo nos fala de interesse individual, de proveito pessoal, de projetos no singular, todo casal para ser célula evangelizadora deve viver a casa e especialmente a sala de estar, como espaços abertos de compartilhamento e lugares de encontro. Esta é a nossa forma de fazer morar Deus no nosso cotidiano do lar. Se Deus vem ao nosso encontro através dos outros porque não acolhê-Lo sempre, não buscá-Lo sempre, não recebê-Lo sempre em nossa casa? Para nós sempre foi importante fazer entrar em nosso ambiente privado não somente o amigo de sempre mas também o hóspede de passagem que nos traz seu mundo, sua história e sua cultura; para nós tem um significado particular “abrir portas e janelas” para fazer entrar no privado o público, no individual o coletivo.
Deus habita a nossa casa porque rezamos para Ele juntos com os amigos das ENS e juntos O procuramos engajados numa pesquisa compartilhada, fazemo-Lo sentar à mesa conosco quando antes de uma refeição em amizade nos lembramos d’Ele. Anos atrás todos pensavam que a televisão fosse o instrumento capaz de nos abrir uma janela para o mundo, parecia, de fato, que em nossas realidades familiares somente este objeto pudesse executar a função de colocar-nos em contato com o mundo exterior. Hoje a melhor coisa a fazer é deixar apagado o máximo possível este instrumento de falsa comunicação que não nos traz mais o mundo na sua realidade mas o esconde atrás uma folha de papelão colorido, e utilizar o tempo para uma reflexão cada vez mais atenta e comparada com a dos outros sobre as coisas que acontecem à nossa volta. Hoje a coisa melhor é sentar ao redor de uma mesa e procurar ler e entender, no olhar do outro, a história que se realiza todos os dias à nossa volta.

A cozinha, a nossa cozinha
A cozinha é um dos lugares da casa que talvez tenha sofrido no tempo as maiores transformações em termos de organização e de espaço. Uma vez era o lugar no qual existia a lareira, quem não se lembra das casas dos avós? Muitas vezes estas tinham uma grande lareira que esquentava todo o ambiente e na qual se cozinhava diretamente sobre o fogo. A convivência no mesmo quarto trazia um clima familiar quente, no qual não havia um espaço individual, e tudo era de todos. Hoje, talvez devêssemos dizer que, lamentavelmente, as nossas cozinhas se reduziram ao essencial, se cozinha sobre as chapas de cozimento e no forno elétrico, e, em algumas situações, se chega também à eliminação da cozinha propriamente dita para transformá-la num canto para cozinhar.
Entrar na cozinha e compartilhar as inúmeras sensações que oferece, é uma experiência que permite viver de forma mais consciente um lugar da casa que representa o calor, o contato com o concreto, o núcleo de uma casa viva, que na cozinha exprime a ligação entre alimento e vida no cotidiano. A cozinha, de fato, assim como os nossos dias, os nossos gestos e as nossas palavras, é um lugar de transformação onde nada pode permanecer igual; pensemos, por exemplo, no trabalho do fogo: graças a ele as coisas chegam cruas, como a natureza as produziu, e saem diferentes, de acordo com as exigências do prazer. O que é duro deve ser amaciado; os aromas e os sabores que estão aprisionados devem revelar-se: cozinhar é como dar o beijo mágico das fábulas que desperta o prazer adormecido. Não é isso que acontece na vida? Não é isso que um casal deve testemunhar para ser evangelizador: transformar as coisas com o fogo do amor…? O advento da sociedade tecnológica levou a uma rápida evolução não só dos aparelhos eletrônicos e dos eletrodomésticos, mas também no tempo gasto para cozinhar. O cozimento em fogo lento, que requer tempos longos e muita atenção, foi aos poucos substituído pelo pré-cozido e pelo congelado já pronto, no qual se perdem e se confundem as características peculiares para se chegar a uma comida homogênea e sem personalidade, igual em todos os lugares do mundo. Cozinhar em fogo lento significa ter tempo para gastar sem pressa, deixando que o calor modifique lentamente o alimento e a sua estrutura. A metáfora é clara: muitas vezes arriscamos de não reservar o tempo que é necessário para cozinhar as nossas relações e modificá-las através do calor das relações profundas; é necessário, no entanto, estar atentos em respeitar os tempos de cozimento, os tempos de cada um: pode acontecer, de fato, que uma relação inicialmente ainda crua, seja cozida rápido demais, ou que seja esquecida no fogo a ponto de cozer demais e perder o seu sabor e, portanto, o seu significado. A cozinha é o lugar da casa onde se vive também com o nariz: o perfume do pão na mesa e do vinho bom nos fazem lembrar a última ceia, no Cântico dos Cânticos a amada reconhece o amado pelo perfume, no Qoelet se louva o comer e o beber como a coisa melhor para um homem. Existe uma espécie de “perfume de Deus” nas relações que vivemos, um perfume graças ao qual podemos nos relacionar com os outros para caminhar juntos em direção à fonte deste perfume.
“Há anos carregamos no nosso coração o valor da “teologia do café”: o casal que de manhã, assim que se levanta, se reencontra diante de uma xícara de café para bebericá-lo juntos e tendo para frente um novo dia, vive um momento de união particular que pode ser realmente lido em termos de fé. Aquele é o momento em que tudo ainda deve ter começar: os compromissos individuais, os horários freqüentemente imprevisíveis, as incumbências mais ou menos agradáveis que serão executadas durante o dia, as exigências dos outros que muitas vezes nos trazem inquietude, tudo por um instante mágico fica como que suspenso e os dois cônjuges podem até trocar um gesto de ternura, renovar no olhar a promessa de amor, rezar juntos... Nós dois amamos muito este momento precioso da manhã quando a casa ainda não ganhou vida e o cheiro do café tão peculiar e tão familiar nos esquenta enquanto as palavras que trocamos têm ainda tons baixos, as conversas não são muito articuladas e complexas mas apenas esboçadas e a troca não é somente de informação sobre os compromissos de cada um, mas dizer ao outro a respeito de seu dia para que o outro possa de alguma forma acompanhá-lo e compartilhá-lo. Às vezes o café, levado na cama, é um pequeno presente que é dado ao outro se este não tem pressa de levantar: com certeza é um presente apreciado que ajuda a começar melhor o dia porque nos sentimos imediatamente, mesmo através deste pequeno gesto, acolhidos e amados; o levantar-se juntos e o bater papo enquanto se espera que o aroma do café faça despertar a casa é um pequeno espaço da vida conjugal de um significado e valor particular. É estranho come nunca pensamos devidamente na importância que tem na vida de todos os dias a linguagem dos sentidos; talvez seja melhor dizer que não temos, particularmente, noção do valor do olfato, considerado, de forma errada, relativamente secundário em relação aos outros sentidos. Temos certeza, no entanto, que uma casa sem cheiros seria muito fria, um pouco asséptica e certamente pouco acolhedora; também os cheiros da cozinha, frequentemente mantidos “sob controle” para não invadir em demasia os outros quartos, na realidade dão alegria e segurança: são o sinal de uma realidade familiar presente e viva, são o sinal de quem trabalha para você que fica fora de casa, são o sinal concreto de um anúncio da alegria de encontrar-se com os outros, com os filhos, os amigos... ”

O quarto de dormir, o nosso quarto de dormir
O quarto de dormir é um quarto central, misterioso, rico como poucos outros de conteúdos metafóricos. Outros espaços da casa nos falam da família que ali vive, de sua história, de suas escolhas, mas o quarto de dormir do casal remete ao âmago da realidade que está na origem da família: o casal. Aqui o casal testemunha a si mesmo o amor de Deus.
Este quarto tem um simbolismo extremamente rico: é o lugar onde se celebra a liturgia do desvelamento: isto é do encontro com o outro que se revela no tempo da vida conjugal, do conhecimento profundo que se torna comunhão, da nudez acolhida pelo amor, da alteridade mais irredutível que se torna riqueza para os dois e se remete ao totalmente Outro.
«E descobriram que estavam nus » (Gn 3,7). A criação estará finalmente completada quando o homem não se assustará mais por estar nu. Na vida de cada homem, ser capaz de desnudar-se, de ser autêntico, de não vestir máscaras, é possível só depois de um caminho de amadurecimento que nasce da experiência de sermos acolhidos plenamente por aquilo que somos, sem reservas, sem esforço.
Sentir-se plenamente acolhido pelo parceiro nos dá uma identidade certa, estável, madura, que não precisa de camuflagens; permite enfrentar a vida sem vestir máscaras, ser autênticos, ir ao encontro do outro, tornar-se dom para ele.
O quarto de dormir é o lugar onde se cumpre a vida teologal dos cônjuges: onde nos levantamos amparados pela esperança, nos deitamos para exprimir um amor total, nos abandonamos, com uma confiança sem reservas nos braços do outro, ao sono e ao sonho; este quarto é como uma metáfora do mistério da vida, dada e recebida, da manifestação de um Deus que decidiu se encarnar e se fazer comunhão. É o quarto da vida mais íntima de um casal, aquela que se realiza através da relação sexual, relação que, em todo casal, tem uma formidável potência cognitiva, porque é a forma mais intima e intensa de dialogo, é premissa à comunhão completa. Isto não significa que a sexualidade deva ser a única forma de comunicação, nem que a harmonia sexual possa prescindir do diálogo do casal, que consiste, em primo lugar, de comunicação verbal, de projeto formulado conjuntamente. Mas no casal entrosado o encontro dos corpos significa a totalidade do dom, sentir prazer em doá-lo ao outro, expor-se na mais desarmante nudez, oferecer toda a própria fraqueza ao outro para que a cubra com o seu amor, conhecer o outro em profundidade, penetrar em seu mistério, entrar em seu mesmo comprimento de onda, registrar uma sintonia profunda, fazer de duas histórias, de duas individualidades, de duas personalidades, de dois corpos que se descobrem complementares porque diferentes, uma entidade de relacionamento única, uma só carne. O encontro sexual é a perfeita imagem da comunhão do casal: um fazer a unidade sem assimilar o outro, receber do outro o que nos falta, possuí-lo doando-se, encontrar a si mesmo perdendo-se.
A noite no quarto do casal é nudez real e simbólica, abandono confiante em quem dorme a seu lado e fé na força positiva da vida, mas isto só é possível se a noite chega após um dia de harmonia. Caso contrário o quarto de dormir fica imbuído de saudades, ansiedades, remorsos, já que é freqüentemente testemunha do encontro e do confronto entre a abordagem da vida «masculina» e «feminina», às vezes tão difícil de conciliar e de tornar complementar e recíproca... O cônjuge que dorme ao seu lado pode se tornar assim o sinal de um compartilhamento imperfeito, incompleto, que talvez tenha procurado dar uma explicação, uma interpretação, às suas ansiedades mas não tem sido capaz de assumi-las emotivamente.
A noite se torna sintonia plena, entendimento perfeito, abandono mútuo, só quando o compartilhamento é, ao mesmo tempo, a construção racional de um projeto de vida e a co-participação emocional das alegrias e das ansiedades do dia.
“Uma característica que marcou desde cedo o nosso relacionamento sexual foi a clareza e a sinceridade: nunca fizemos amor contra a vontade, não lembramos de ter feito alguma vez amor para agradar o outro e muito menos por dever, e isto às vezes teve como conseqüência receber alguns “não”, deixar desatendidos os desejos, mas que alegria pensar hoje que toda vez que fizemos amor fomos levados pelo sim mais profundo, pelo desejo mais verdadeiro e recíproco, pelo mais completo oferecimento ao outro no desejo do outro. Aquele ser tomado pela Vida em seu instinto mais vital e pela Vida em seu espírito mais alto, é o que se experimenta no amor entre um homem e uma mulher. A experiência do encontro sexual é também experiência de criação no verdadeiro sentido da palavra porque experimentamos como uma positiva realidade de amor vivido seja fonte de energia e gere novos espaços de vida. Compreendemos e, sobretudo, acreditamos intensamente que, quando realizamos na forma mais plena o encontro de amor, no mesmo momento realizamos também aquela unidade de humanidade que Deus quis complementar no homem e na mulher, que somos realmente imagem de Deus porque exprimimos na nossa relação mais profunda a relação trinitária de Deus Pai, Filho e Espírito, que somos a realidade mais verdadeira, terrena e concreta da imagem misteriosa da natureza humana e divina de Deus
Mas a vida, se for realmente vivida plenamente, deve poder experimentar também a dor, a solidão, a aridez de certos momentos, e na privacidade do nosso quarto reencontramos o espaço adequado para retornarmos a nós mesmos, para retomar o fio dos pensamentos, para procurar na reflexão silenciosa ou conjugal sobre a Palavra a resposta que não encontramos em outros lugares. A solidão não tem somente a cara do desespero, mas também da procura de nós e de nossa interioridade, e somente um canto privado da casa pode nos dar de presente esta experiência de procurar e encontrar a si mesmo. A solidão que procuramos na privacidade do nosso quarto é também manifestar a cura para nós mesmos. De qualquer forma, nos amamos porque nos damos de presente aquilo de que necessitamos: um pouco de silêncio, um diálogo interior, um descanso. A dor pode encontrar conforto no calor tépido que te acolhe, de um cobertor que te cobre, na penumbra que te protege da luz muito forte, que te fala de uma realidade não aceitável naquele momento. Sim, a cama pode representar o abrigo momentâneo no ventre materno onde procurar segurança e retomar energias diante de dificuldades que nos parecem muito árduas, uma pequena regressão que exprime o justo desejo de voltar, de vez em quando, a ser crianças e experimentar não somente a insegurança dos pequenos, mas também o desejo de ser amados e acolhidos, para aprender a amar e a acolher. A consciência de sentir-se fracos e precisar de ajuda nos permite entender quem é fraco e precisa de ajuda.

O banheiro, o nosso banheiro
Nunca como nestes últimos anos assistimos à difusão de um cuidado especial para o banheiro seja em suas peças fixas como em seus conteúdos. Proporcionalmente, também a despesa relativa a produtos para o nosso corpo tornou-se uma voz consistente no orçamento familiar. Estes cuidados com a limpeza e esta cura do corpo são apenas o fruto de uma maior “civilização” ou uma necessidade de “mimar” o nosso corpo com perfumes e cremes e de “esquentá-lo” enquanto sentimos ao nosso redor uma maior “frieza” relacional dada pelo individualismo cada vez mais dominante?
Antigamente, na civilização romana, por exemplo, o banheiro era um lugar de relação (as termas, os banhos públicos), hoje é impensável algo parecido, aliás, diante de uma liberdade sexual cada vez maior, sentimos quase vergonha se alguém inadvertidamente entra no banheiro que nós estamos ocupando… Nos despimos na praia mas não dividimos o banheiro: porque esta diferença entre as nossas nudezas? Talvez porque num lugar público, na praia, na discoteca, na rua... mostramos, ou acreditamos mostrar, a parte mais “apetecível” de nós, aquela certamente mais cuidada e controlada, enquanto no banheiro de casa, na nossa privacidade, somos como somos, na nossa verdadeira nudez e pobreza… Então, talvez devamos, mais uma vez, refletir que simplesmente temos medo de nos mostrar como realmente somos... E este constrangimento, se realmente o vivemos desta forma, não pode não se estender também ao relacionamento com o nosso cônjuge com o qual talvez tenhamos dificuldade em nos mostrar nas nossas nudezas e pobrezas.
Entrar no banheiro muitas vezes é o desejo de afastar-nos de tudo, é reencontrar um espaço só para nós mesmos, é talvez a necessidade de tomar distância de tudo e de todos. Fechar a porta à chave em alguns casos nos dá uma sensação de abrigo; quem sabe se é apenas a vontade de “estar em paz” ou sentimos que alguma outra exigência nos leva a querer ficar sós?
Muitas vezes no banheiro, sozinhos, nos olhamos no espelho não tanto para nos avaliar esteticamente mas para nos interrogar. Olhar-nos nos olhos e perguntar-nos “em que ponto estamos”; desta forma o banheiro se torna um lugar de procura de nós mesmos, um lugar onde lemos no espelho que está dentro de nós mesmos e não podemos trapacear porque diante daquele espelho estamos só nós.…Levantamos questões que mais nos atingem “por dentro”, nos dizemos as coisas que somos capazes de confessar somente a nós mesmos, quando estamos a sós e os nossos olhos nos enviam as perguntas que a nossa boca talvez não seja capaz de formular abertamente. É fazer um balanço, um resumo da própria vida, um olhar para Deus e colocar-se à sua presença para julgar-se, mas também um perdoar-se, um acolher-se de novo, um reencontrar as forças para tentar retomar o caminho.
A água que no banheiro, como na cozinha, enche este lugar é, mais ainda, o símbolo de um fluir da vida que traz consigo dor e amor, acolhida e perdão. Desejo de se fazerem novos e de renascer toda vez de uma maneira nova.
“Estamos cientes que o nosso corpo fala tanto quanto a nossa boca e que, de fato, vivemos uma estrita correlação entre intimidade, afetividade e corporalidade. Se estamos bem conosco mesmos e com o mundo que nos rodeia, o nosso corpo se distende, se abre a gestos de acolhida e, quando estamos em dificuldade relacional ou vivemos uma situação de fechamento , manifestamos também uma rigidez corporal como defesa. As barreiras levantadas pelo próprio corpo, mesmo invisíveis são muito resistentes e só uma igualmente forte capacidade de calor e de emotividade afetiva consegue conduzir devagar de volta à distensão positiva que significa abertura à relação. Às vezes sentimos a necessidade de estar a sós conosco mesmos porque é necessário fazer as contas com o próprio eu diante de certas posições a serem assumidas, ou de certas decisões a serem tomadas, quando o outro que está a seu lado pode ser companheiro mas não pode substituir-se nas escolhas que você fez… Outras vezes, porém, o banheiro é também o lugar onde nos abrigamos para buscar conforto para uma dor tão grande que parece que não possa ser compartilhada; ali, no banheiro se pode chorar e depois enxaguar o rosto e, após tê-lo regenerado com água fresca, se procura retomar o caminho, e a porta que se abre de novo significa “estamos prontos para recomeçar...”

O porão, o nosso porão
A vida de cada dia nos leva a correr atrás de compromissos e de necessidades e muitas vezes não nos sobra tempo para uma justa e oportuna reflexão sobre as coisas e as experiências, mesmo sabendo que, cientes ou não, tudo vem atrás de nós, e que nada daquilo que vivemos é perdido. E isso ocorre também se e quando a memória parece não ser nossa amiga, também se e quando nos ofusca e confunde as lembranças que a custo conseguimos distinguir, também se e quando parece jogar de esconde-esconde com o nosso coração fazendo pular viva e vital diante de nossos olhos uma voz ou um rosto que acreditávamos perdido para sempre.
A vida de hoje, com os seus tempos tão rápidos e prementes, parece nos querer obrigar a proceder sem nunca dirigir o olhar para o passado, com o corpo e com a mente constantemente projetados para frente: para frente para fazer, construir, realizar, afirmar, se tornar.. Sem nenhuma dúvida é por si só positivo caminhar na vida serenamente voltados para frente, com vontade de projetar todo dia novas modalidades do ser e novos espaços de criatividade, mas seria um grande erro pensar em abrir mão do que foi e do que fomos, pensar em poder privar a mente da reflexão consciente a respeito do percurso feito, dos caminhos percorridos, das trilhas procuradas e não encontradas, e seria um erro ainda mais grave pensar em poder privar o coração da experiência forte do “sentir-se vivos” que pode nascer de uma emoção profunda trazida por uma lembrança longínqua.
O porão, real ou simbólico, é o lugar da memória tangível, lá onde se colocam objetos que aos poucos não servem mais ao nosso presente, mas dos quais sentimos que não podemos desfazer-nos porque estão muito carregados de significado e de valor, é o lugar que visitamos de vez em quando, impelidos por uma exigência concreta, mas também solicitados pelo desejo de afastar-nos do presente para reencontrar antigas emoções ou para reviver sensações que pertencem somente a nós. Não são todas as casas que têm um porão real, mas cada casa esconde um pequeno porão, uma gaveta, um canto de armário, um mezanino obtido pelo rebaixamento de um forro ou, de forma ainda mais essencial, uma mala ou uma caixa de papelão capaz de conter a bagagem das lembranças, o fio da memória, as raízes de cada história. Às vezes, realmente, vamos mexer nas coisas velhas não para buscar algo específico, mas só pelo desejo de passear entre objetos que não fazem parte do nosso cotidiano, mas que têm ainda para nós e dentro de nós um forte significado. São coisas que nos fazem voltar no tempo, trazendo para a memória momentos ou episódios distantes que conservam ainda todo o poder de uma emoção profunda que nos toma totalmente num instante, anulando qualquer distância.
Na realidade nem precisamos ter também um porão real no qual ir procurar coisas ou objetos que nos conduzam atrás no tempo: carregamos o porão secreto dentro de nós, num canto da nossa mente, no espaço profundo do nosso coração, lá onde tudo o que se viveu está presente, onde talvez algumas situações, algumas experiências, algumas sensações estejam apenas colocadas na sombra, prontas a reencontrar toda a sua força emocional impetuosa se somente uma palavra, um gesto, uma lembrança venha a lhes devolver luz e vida. O porão de cada homem é o lugar escondido que contém a bagagem de cada vida.
O que há de inexistente mas real no nosso porão? Muitíssimas coisas, muitíssimas pessoas, muitíssimos acontecimentos que construíram os nossos trinta e mais anos de casamento, tem algumas figuras importantes como aquelas dos nossos pais com os quais mantivemos relações diferentes no tempo, às vezes conflitantes e depois cada vez mais serenas, surgem rostos de um avô e de um tio particularmente amados e que consideramos fundamentais para a nossa formação, rostos de amigos que não estão mais entre nós, mas que sentimos fortemente presentes ao nosso lado. E, depois, estamos nós com as palavras que nos dissemos nos anos, com os gestos de acolhida, de confronto, de perdão e de amor que doamos um ao outro.
Somos um casal com muitos anos de casamento e um caminho tão longo não pode ser sem obstáculos e assim foi também para nós: ao lado dos dias de amor e de entusiasmo vivemos também os dias de decepção, de solidão, de sofrimento e de dor; contudo hoje conseguimos dizer “obrigado” também por estes dias porque é a experiência da alegria e da dor que permite crescer sempre mais em "humanidade". A nossa vida de casal foi e ainda é toda uma sucessão de ir e vir ao encontro e de encontro ao outro, uma sucessão de sentimentos que, às vezes, nos fazem convergir e outras vezes parecem que nos fazem afastar... Queremos referir-nos a todos aqueles momentos em que prevaleceu o egoísmo em nossa vida, o desejo da própria afirmação, a fraqueza e o cansaço, momentos gerados por nós mesmos quando estivemos muito cansados para dedicar as nossas energias em favor do outro, quando estivemos muito fracos e pobres para renunciar à tentação sempre presente de nos sobrepor ao outro, quando estivemos muito ocupados conosco mesmos para perceber que estávamos esquecendo o outro e suas necessidades. Mas não existem coisas que não nos perdoamos, não temos rancores se agitando nos antros cavernosos da nossa mente, temos, porém, ainda coisas para nos perguntar e coisas que esperamos um do outro. Zonas de sombra que ainda esperam a luz, uma luz que nos ajude a tornar mais claros certos cantos, que nos permita colocar em foco certos pensamentos e certos sentimentos que ainda moram em nossa intimidade de forma desordenada ou, talvez, desfocada, ou escondida. Uma luz capaz de iluminar a escuridão: pode ser o raio de sol que se infiltra na atmosfera obscura do lugar, pode ser a mão que encontramos pronta a acolher-nos e a sustentar-nos no nosso avançar às vezes um pouco às cegas, pode ser a Palavra de Deus Pai que chega de repente para nos abrir caminhos e trilhas, também entre as coisas, os objetos, as lembranças, os sentimentos, que, sozinhos, não havíamos conseguido vislumbrar...

Iluminar as zonas de sombra da nossa vida significa buscar a orientação da Luz de Deus, significa, concretamente, continuar a se mover entre as coisas do mundo, entre as coisas dos homens, inclusive na escuridão do porão ou na escuridão de alguns dias e de alguns momentos, certos de que estamos nos movendo entre as coisas de Deus, significa ter a consciência que quando dirigimos a Deus a oração “de nos fazer morar todos os dias de nossa vida na casa do Senhor...” (salmo 27), na realidade é o que já nos foi dado, mesmo que não sempre nos lembramos, e continuamos a pensar, como quando éramos crianças, que ”Deus é o Ser perfeitíssimo que está no Céu, na terra e em todo lugar” e assim dizendo O tornamos invisível e desencarnado da vida cotidiana, da história das pequenas histórias, do coração de todos aqueles que vivem ao nosso lado.
Se é Luz do mundo, ou melhor, já que é a Luz do mundo, o nosso Deus, aquele que se fez Homem por nós, deve ser Luz também no nosso quarto de dormir para dar profundidade divina ao nosso unir-nos conjugal, nas nossas salas de estar para impregnar de sua sabedoria os nossos discursos que orientam nossas escolhas, nas nossas cozinhas para ensinar-nos a compartilhar a alegria do alimento preparado, oferecido e saboreado juntos, nas nossas varandas para iluminar os rostos de quem corre o risco de passar pela rua indiferente e despercebido aos nossos olhos, nos nossos sótãos para fazer resplandecer de um significado novo todas as coisas vividas com dor ou com amor, mas que não devem ser esquecidas.
Se a evangelização é entregue por Deus às nossas pobres vidas, se a oração é realmente abandono entre os braços do Pai: n’Ele depositamos as nossas esperanças, n’Ele colocamos as nossas dores e as nossas preocupações, com Ele conseguimos olhar o amanhã dos nossos dias também quando a fadiga cotidiana deixa nosso olhar baixo e incapaz de levantar-se em direção a horizontes mais amplos e luminosos. Este é o único modo que a vida nos ensinou para procurar ser um casal cristão, célula de evangelização e mensageiros do amor de Deus para a humanidade. Isso é o que quisemos compartilhar com vocês hoje para que as suas casas sejam habitadas pelo amor de Deus e possam doar, a quem nelas entrar, o respiro e o perfume do amor de Deus: que as nossas casas tenham sempre este espaço de oração que se faz vida e de vida cotidiana que se faz sacramento de Deus.


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